Ilustração a aguarela para o conto:
A Rainha
'A
Rainha
Nascera longe de ali,
mas era
daquele país que sentia saudades.
Abraçara com ternura aquelas vilas, aquelas
ruas e gentes.
E Óbidos...
Que bonita prenda de casamento!
Do seu Dinis,
do seu rei poeta.
Fora consorte, ou sem nenhuma,
rainha com apenas onze anos.
Mas agora as crianças brincavam na
rua.
Invejou tanta alegria, tanta liberdade e inocência.
Ela perdera tudo
isso, mas ganhara o nome de Santa.
Sorriu.
Ainda hoje, a viver onde vivia,
não conseguia perceber aquele 'milagre'.
Quando o seu soberano marido lhe
perguntou o que trazia no regaço,
e lhe respondeu: 'São rosas, senhor',
não esperava que ele desconfiasse:
'Rosas, em Janeiro?'
E muito menos
contava que o pão que escondia
se transformasse na verdade das suas
palavras.
As ruas estavam diferentes.
As pessoas diferentes
estavam.
Até trajavam de forma estranha...
Mas alguns rostos permaneciam
iguais, tristes e pobres.
Perguntou para si, se a rainha de agora não cuidava
deles.
Estavam tão sós e abandonados...
Sentiu uma lágrima correr.
Quis
fazer outro milagre.
Dar pão e calor.
Só mais um milagre.
Mas o seu
corpo já não pertencia ali.
Só a sua alma ali ficara.'
Conto publicado no livro Palavras (con)sentidas